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Limites da Liberdade de Expressão.

 

Limites da Liberdade de Expressão.


Resumo: A liberdade de expressão tem sua razão de ser para as manifestações de opiniões, sejam contrárias, jocosas, irônicas, satíricas e, até mesmo errôneas, mas não para divulgação de opiniões criminosas, discurso de ódio ou excitação a produção de atentados contra o Estado Democrático de Direito e  a democracia.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Constituição Federal brasileira de 1988. Liberdade de Expressão. Limites.

 

 

A liberdade de expressão não alcança a prática de ilícitos, ao discurso que incite a violência, o discurso doloso, manifestamente difamatório, juízo depreciativo, de injúria ou crítica aviltante. Tais manifestações são capazes de causar um perigo evidente e iminente ao sistema jurídico, ao regime democrático ou ao bem público.

Analisando a imunidade parlamentar deverá ser entendida como forma extensiva para a garantia do adequado desempenho de mandatos. E, assim, não alcança os atos que sejam praticados sem nítida conexão ou implicação recíproca com o desempenho das funções parlamentares, para incitar o cometimento de delitos ou ainda para atacar a própria democracia, ou o sistema representativo, quando a imunidade for usada para  a prática de abusos, usos criminosos, fraudulentos ou ardilosos.

A respeito da liberdade de expressão há várias obras clássicas como a intitulada On Liberty de John Stuart Mill, publicado em 1859. Onde o autor apresentou-se como defensor da liberdade, que é tida como instrumento indispensável ao desenvolvimento da pessoa e da sociedade, especialmente, por possibilitar a avaliação e contestação pública de todas as convenções sociais vigentes, dos dogmas religiosos e da concepção ética estabelecida em determinada época.

O autor asseverou de forma enfática que "se toda humanidade menos uma pessoa compartilhasse uma mesma opinião, a humanidade não teria melhor justificativa para silenciar essa pessoa do que ela possuiria, caso pudesse, silenciar a humanidade inteira"(...).

Como questão de convicção ética, o direito de cada pessoa à maior liberdade possível para o debate de qualquer tipo de doutrina, por mais imoral ou perigosa que possa parecer ao bem-estar de determinada sociedade. Vai além da questão relativa à autonomia da pessoa, Mill elencou argumentos instrumentais ou utilitários que exercem forte influência na defesa da mais ampla liberdade de expressão.

Segundo o filósofo inglês, a livre veiculação de ideais seria essencial para que as pessoas e a sociedade pudessem se aproximar da verdade, enquanto o silenciamento constituiria uma prática perniciosa para a humanidade (...). Assim a supressão do discurso faria que opiniões verdadeiras fossem negligenciadas, causando prejuízos ao desenvolvimento civilizatório (...).

Mesmo diante de opiniões e pensamentos equivocados, a proibição da veiculação de ideias impediria a obtenção do benefício de reafirmação das ideais corretas que decorre da colisão entre elas (...).

No âmbito da teoria proposta pelo filósofo inglês, somente seria possível a realização de restrições à livre manifestação de ideias e pensamentos quando houver a incitação à prática de uma ação capaz de promover dano injustificado a terceiros.

E, a partir do exemplo apresentado pelo próprio Mill do manifestante que incita uma multidão faminta reunida em frente à casa de um produtor de grãos à prática de atos violentos, Owen Fiss destacou a necessidade, presente no pensamento do filósofo inglês, que o discurso]a ser reprimido seja nitidamente caluniosos e ilegal, devendo ainda possuir uma relação direta e imediata com o dano causado a terceiros. (...).

É importante registrar que a teoria liberal e utilitarista da liberdade de expressão foi incorporada à jurisprudência constitucional dos Estados Unidos através da metáfora do livre mercado de ideais (free market place of ideas), que foi mencionada pela primeira vez no voto dissidente do Justice Oliver Wendell Holmes, da Suprema Corte dos Estados Unidos (Scotus) no caso Abrams v. United States, julgado em 1919 [...]

E, ainda a versão norte-americana prevê que o melhor teste para a verdade é o poder de aceitação através da competição do mercado (...) A ideia central é que, em uma sociedade democrática, a verdade e a razão só podem ser obtidas se a todos for atribuído o direito de demonstrar e debater, racionalmente, o seu ponto de vista  sem qualquer interferência estatal [...].

Registre-se que a noção de livre mercado de ideias tem sido utilizada para proteger principalmente discursos e opiniões que possuem conteúdo político, tal como se observa do precedente firmado no caso New York Times versus Sullivan, julgado em 1964 [...][1].

A lógica desse e de outros precedentes é que o núcleo essencial da Primeira Emenda à Constituição norte-americana que garante a liberdade de expressão, busca proteger discursos, matérias e opiniões críticas ao governo, de modo a possibilitar o livre convencimento individual e coletivo sobre os assuntos relativos ao Estado. (...)

 Embora não se ignore a importância e a relevância da teoria do livre mercado de ideias para tratar de inúmeras questões relativas à liberdade de expressão, em especial no que se refere à livre veiculação de ideias políticas, é possível apresentar algumas críticas ou lacunas dessa corrente de pensamento.

 Nessa toada, a interpretação predominante na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, que exerce forte influência no Brasil, por vezes não oferece ferramentas adequadas para regular discursos de ódio ou antidemocráticos, tal como se observa dos precedentes estabelecidos no caso Brandenburg vs. Ohio[2] [...], nos quais se declarou a constitucionalidade de manifestações de ódio contra negros e judeus e a  inconstitucionalidade de lei que restringia o uso de símbolos  que remetessem a práticas de discriminação racial.

No caso Brandenburg versus Ohio, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a lei do Ohio violava o direito de Clarence Brandenburg à liberdade de expressão. A decisão foi tomada em 1969 e é considerada um marco na interpretação da Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

A Suprema Corte dos Estados Unidos (Scotus) examinou essa grande questão das democracias liberais no caso Brandenburg vs. Ohio, de 1969, quando estabeleceu o critério de “imminent lawless action” (conduta ilegal iminente) para definição dos limites da liberdade de expressão (freedom of speech). Esta não será protegida pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana se o autor do discurso pretende incitar uma conduta ilegal iminente e factível.

Alvim Goldman e Daniel Baker afirmam que a liberdade de expressão envolve trocas e balanceamentos entre o valor deste direito e os prejuízos que o discurso pode causar, de modo que nenhum país pode resolver essas trocas apenas a partir da proteção integral da liberdade (...).

De modo semelhante, ao problematizar a teoria do livre mercado de ideias, Cass Sunstein asseverou que "qualquer mercado exige critérios e regras claras. Nenhum mercado pode operar inteiramente livre".

Portanto, mesmo diante dessa ampla liberdade de manifestação do pensamento e da opinião, é possível estabelecer algumas hipóteses de regulação e limitação à liberdade de expressão.

Com efeito, a jurisprudência constitucional norte-americana tem entendido que esse direito fundamental não abrange, por exemplo, os atos de pedofilia, a pornografia ou discursos que incitem a violência (fighting words). Também não se encontra abrangida por esse direito fundamental textos, opiniões ou palavras de difamações dolosas (denominada de actual malice pela jurisprudência norte-americana [...].

 A jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos também tem entendido pela possibilidade de restrições à liberdade de expressão nos casos em que o discurso apresentar o potencial de caracterizar um perigo claro e iminente (clear and present danger) ao bem público.

De acordo com Martin Shapiro, o perigo claro e iminente da jurisprudência norte-americana demanda a existência de uma ameaça que interfira de forma imediata e significativa sobre o sistema jurídico e o regime democrático [...].

Nesse vetor, os discursos de incitação à sabotagem ou à violência que preencham os requisitos de perigo evidente e iminentesão proibidos e podem ser legalmente restringidos, inclusive através da aplicação da lei penal, sendo importante destacar que as circunstâncias e o objetivo do discurso são relevantes para a análise de adequação da resposta estatal (...)

Em síntese, embora se defenda, no âmbito da filosofia política[3] e da teoria constitucional anglo-americana, um amplo espaço de proteção à liberdade de expressão, que é considerada por muitos como um direito preferencial, é possível vislumbrar restrições à livre manifestações de ideais, inclusive mediante aplicação da lei penal, no seguintes casos:  a) em atos, discursos ou ações que envolvam a pedofilia; b) nos casos de discursos que incitem a violência (fighting words); c) quando se tratar de discurso com intuito manifestamente difamatório, de forma dolosa (actual malice); d) em manifestações capazes de causar um perigo claro e iminente ao sistema jurídico, ao regime democrático ou ao bem público (clear and presente danger).

De acordo com Martin Shapiro, o perigo claro e iminente da jurisprudência norte-americana demanda a existência de uma ameaça que interfira de forma imediata e significativa sobre o sistema jurídico e o regime democrático [...].

Nessa perspectiva, discursos de incitação à sabotagem ou à violência que preencham os requisitos de perigo claro e iminente são proibidos e podem ser legalmente restringidos, inclusive através da aplicação da lei penal, sendo importante destacar que as circunstâncias e o objetivo do discurso são relevantes para a análise de adequação da resposta estatal [...].

 [...]

 Em suma, embora se defenda, no âmbito da filosofia política[4] e da teoria constitucional anglo-americana, um amplo espaço de proteção à liberdade de expressão, que é considerada por muitos como um direito preferencial, é possível vislumbrar restrições à livre manifestações de ideias, inclusive mediante aplicação da lei penal, nos seguintes casos: a) em atos, discursos ou ações que envolvam a pedofilia; b) nos casos de discursos que incitem a violência (fighting words); c) quando se tratar de discurso com intuito manifestamente difamatório, de forma dolosa (actual malice); d) em manifestações capazes de causar um perigo claro e iminente ao sistema jurídico, ao regime democrático ou ao bem público (clear and presente danger).

Frise-se que a autodefesa da democracia se sobrepõe ao direito à liberdade de expressão. Assim, quando o agente ataca, como no caso, a própria existência desta Suprema Corte, enquanto instituição, não há dúvidas de que ele se expõe, como efeito imediato dos mecanismos de autodefesa da democracia, à censura penal do Estado.

Não está em jogo, aqui, a simples proteção dos Juízes do Supremo Tribunal Federal, enquanto integrantes transitórios da Corte, mas, sim, a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, cuja existência é posta em risco quando se busca, mediante o uso da palavra, minar a independência do Poder Judiciário e, mais do que isso, a própria existência de instituição constitucionalmente concebida como o último refúgio de tutela das liberdades públicas.

 [...]

 Afigura-se legítima e necessária, portanto, a tutela do Estado de Direito mediante o emprego do Direito Penal contra atos comunicativos, enquanto legítima expressão daquilo que se convencionou chamar, no direito alienígena, de “democracia combativa”, ou seja, uma democracia dotada de instrumentos de autodefesa contra aqueles “que se valem dos mecanismos  constitucionais e democráticos para destruir, de dentro, a Constituição e a democracia” [...].

[...] o material documentado nos autos revela comportamento destoante daquele que se espera de uma autoridade pública que, por um lado, ascende ao cargo eletivo pelas vias democráticas e, noutro vértice, passa a utilizar a representação popular como instrumento de fragilização e pretensa aniquilação das instituições constituídas.

Ao publicar, na condição de representante eleito, conteúdo propagando regozijo com situação hipotética de ataque até mesmo físico contra integrantes de um Poder constituído da República e de destituição de seus membros por vias que não as legitimamente instituídas, o parlamentar incorre em prática,  consciente e voluntária, de ato atentatório ao próprio regime  democrático no qual está inserido.

O Ministro Alexandre de Moraes ocasião do julgamento da ADPF 572, no qual  analisada a constitucionalidade do ato inaugural do Inquérito  4.781, “o resguardo da existência dos Poderes constituídos é vetor nuclear da República Federativa do Brasil, que, na falta  de qualquer deles, terá tolhida sua condição jurídica elementar, encartada já no artigo inaugural de nossa Carta fundante,  a saber, a de se constituir em Estado Democrático de Direito.”.

Ali, referindo-me à desinformação digital e à potencialidade de  sua utilização como instrumento de desestabilização demo crática do país, pontuei, com muito desalento, que “agora nos  vemos às voltas com ataques sistemáticos, que em absoluto  se circunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão e manifestação assegurados constitucionalmente, traduzindo, antes, ameaças destrutivas às instituições e seus membros, com a intenção de desmoralizá-las, assim  influenciando na própria conformação dos valores mais caros  a uma sociedade democrática.”.

 O fenômeno social identificado revela aspiração, tão pretensiosa quanto nefasta, de fragilizar a missão de intérprete e guardião  da Constituição conferida a este Supremo Tribunal Federal pelo  texto constitucional e – qual praga de hábitos subterrâneos a  atacar raízes e estruturas fundantes da vegetação de nosso relevo  institucional – de corroer os alicerces da própria democracia.

 A liberdade de expressão, porém, não é absoluta. Aliás, a concepção de liberdade discursiva irrestrita – tal como defendida pela Defesa – nunca mereceu qualquer consideração mesmo  entre expoentes do pensamento liberal, a exemplo de Locke[5]  e Rawls, e reconhecê-la implicaria a própria negação de qual quer possibilidade de convivência em sociedade, degenerando-se  o atual estágio civilizatório em um campo de total arbítrio.

Segundo John Rawls, a liberdade de expressão é uma das liberdades básicas que compõem o primeiro princípio de justiça. Para ele, as liberdades de consciência e pensamento são as mais importantes e irrenunciáveis.  Rawls acreditava que a liberdade é a capacidade de agir de acordo com a lei que cada pessoa estabelece para si mesma. Ele acreditava que o sistema jurídico, por meio de constituições e leis, deveria garantir o uso livre dessas liberdades.

Assim, convém deixar claro, desde logo, o seguinte ponto: não há liberdade de expressão quando o seu exercício puder resultar no próprio extermínio da liberdade de expressão. Propícia é a advertência de Munhoz Netto: “O Estado não  pode tolerar, sem negar-se a si próprio, a atividade dos que,  valendo-se das liberdades que ele assegura, queiram terminar com a própria liberdade” [...].

 [...]Na realidade, a questão que se mostra contenciosa, no plano  doutrinário, consiste na indagação sobre qual o limite à criminalização de discursos. Sendo inquestionável a existência de  limites à liberdade de expressão, o problema reside, portanto,  na pesquisa do limite dos limites.

Esse problema (do limite dos limites) – identificado na literatura jurídica alemã e normalmente equacionado com recurso ao princípio da proporcionalidade – não se põe, uma vez que as investidas criminosas e  antidemocráticas do acusado sequer se ajustam ao âmbito de  proteção da garantia fundamental em apreço.

É que a participação no debate público, in casu, foi utilizado pelo réu apenas  como subterfúgio para a promoção de virulentos ataques não  apenas aos juízes desta Corte, mas, sobretudo, aos pilares da  democracia, expresso em sua tentativa de corroer os alicerces  do Estado de Direito, a partir da apologia de ações voltadas a  inviabilizar a própria existência deste Tribunal.

É certo que em tais casos, não basta, à higidez da repressão penal a atos comunicativos, que (i) esteja ela devidamente prevista em  leis formalmente válidas e (ii) atenda a fins constitucionalmente  legítimos.

É essencial, ainda, que (iii) a pretendida interferência  do Estado no livre tráfego de ideias traduza, ao ser aplicada ao  caso concreto, uma resposta necessária à preservação de uma sociedade democrática e plural. Se é assim, forçoso assinalar que, quando o agente ataca, como no caso, a própria existência  desta Suprema Corte, enquanto instituição, não há dúvidas de  que ele se expõe, como efeito imediato dos mecanismos de  autodefesa da democracia, à censura penal do Estado. [...]

 Em suma: no livre mercado de ideias – para usarmos a concepção de John Stuart Mill[6] consagrada na jurisprudência da  Suprema Corte dos Estados Unidos – alguns conteúdos simplesmente não podem ser negociados. é possível concluir que:

 I – a proteção à liberdade de expressão, que é considerada  por muitos como um direito preferencial, deve ser protegida  de forma ampla no direito constitucional brasileiro, mas não  alcança a prática de ilícitos nas seguintes hipóteses:

I.1 – nos casos de discursos que incitem a violência (Fighting words);

I.2 – quando se tratar de discurso doloso (actual malice) com  intuito manifestamente difamatório, de juízos depreciativos de  mero valor, de injúria em razão da forma ou de crítica aviltante;

 I.3 – em manifestações capazes de causar um perigo claro e iminente (clear and presente danger) ao sistema jurídico, ao  regime democrático ou ao bem público, ou seja, de manifestações claramente antidemocráticas e contrárias à ordem constitucional estabelecida.  II – a imunidade parlamentar, que deve ser compreendida de  forma extensiva para a garantia do adequado desempenho de mandatos atribuídos aos representantes eleitos do povo, não alcança os atos que sejam praticados: II.1 – sem claro nexo de vinculação ou implicação recíproca com  o desempenho das funções parlamentares (teoria funcional); II.2 – nos casos em que for utilizada para a prática de abusos,  usos criminosos, fraudulentos ou ardilosos, para incitar a prática  de delitos ou para atacar a própria democracia ou o sistema  representativo para o qual foi idealizada.

A previsão constitucional do Estado Democrático de Direito consagra a obrigatoriedade de o País ser regido por normas  democráticas, com observância da Separação de Poderes, bem  como vincula a todos, especialmente as autoridades públicas,  ao absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais, com  a finalidade de afastamento de qualquer tendência ao autoritarismo e concentração de poder.

A Constituição Federal vigente não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF/1988,  arts. 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de  Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais  Separação de Poderes (CF/1988, art. 60, § 4º), com a consequente,  instalação do arbítrio[7].

A liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão tendo por objeto  não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também  opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes  públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos  na vida coletiva.

 Dessa maneira, tanto são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo  aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas; pregando a violência,  o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos  fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos [...]

A jurisprudência do STF, portanto, é pacífica no sentido  de que a garantia constitucional da imunidade parlamentar  material somente incide no caso de as manifestações guardarem  conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam  proferidas em razão desta, não sendo possível utilizá-la como  verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas [...].

A liberdade de expressão deve ser respeitada dentro dos limites da lei e de princípios como: Respeito à dignidade humana; Não incitação à violência; Não difamação; Respeito à privacidade, à honra e à imagem das pessoas.

A liberdade de expressão não pode ser usada para: Caluniar; Injuriar; Difamar; Fazer apologia ao crime; Ameaçar; Incitar prática de discriminação.

 

 

Referências

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 BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal brasileira. São Paulo: Saraiva, 1933. v. 2, p. 41/42.

BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Introduzione al diritto costituzionale comparato. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1970.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999.

 FISS, Owen. A freedom both personal and political. In: MILL, John Stuart. On liberty. New Haven: Yale University Press, c2003. p. 181, p. 187-188, p. 191.

 FISS, Owen. The irony of free speech. Cambridge: Harvard University Press, 1998.  p. 20.

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JOBIM, Nelson. Relatoria da revisão constitucional: pareceres produzidos: histórico n. 1 a 81. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de  Edições Técnicas, 1994. v.1.

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 KROTOSYNSKI JR, Ronald. A comparative perspective of the First Amendement: free speech, militant democracy, and the primacy of dignity as a preferred constitutional value in Germany. Tulane Law Review, v. 78, n. 5, p. 1592. Disponível em: https://scholarship.law.ua.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1216&context=fac_articles .

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MILL, John Stuart. On liberty. New Haven: Yale University Press, c2003. p. 86-87, p. 122.

MUNHOZ NETTO, Alcides. Estado de direito e segurança nacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, v. 19, p. 161-183, 1979.  Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/8829/6139.

SHAPIRO, Martin. Freedom of speach: the Supreme Court and judicial  review. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966. p. 48-49

SUNSTEIN, Cass R. Falsehoods and the First Amendment. Harvard Journal of Law & Technology, v. 33, n. 2, p. 388-426, Spring 2020.  Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID3426765_code647786.pdf?abstractid=3426765&mirid=1  .



[1] O caso New York Times Co. vs. Sullivan chegou à Suprema Corte americana,  por via do writ of Certiorari para a Suprema Corte do estado do Alabama. A questão  foi decidida em março do ano de 1964.  A parte passiva desse recurso, L. B. Sullivan, que saiu vitoriosa na origem, foi  quem deu início à ação de indenização por ofensa à honra contra o veículo de  comunicação impressa New York Times Co., bem como, contra outros 04 (quatro)  indivíduos . O autor, à época da ação, era agente público eleito na cidade de  Montgomery, no estado do Alabama, responsável pela supervisão, dentre outros, do  Departamento de Polícia daquela localidade. Segundo informou, sua honra restou  ofendida com a publicação realizada pelo veículo de comunicação New York Times  em março de 1960.  Foram apontados alguns erros factuais na publicação que fazia referência à  suposta ação da polícia contra estudantes que participavam de um movimento a  favor dos direitos civis, bem como, contra um dos líderes desse movimento.  O texto divulgado pelo New York Times é assinado por um Comité de defesa  dos direitos civis chamado Committee to Defend Martin Luther King and the Struggle  for Freedom in the South. Ou seja, não se tratava de um texto elaborado pelo  editorial do jornal, mas por uma organização da sociedade civil.  Note-se que, mesmo a publicação não fazendo nenhuma referência nominal a  Sullivan, apenas à ação policial, este entendeu que a publicação se referia a ele  tendo em vista que, dentre suas atribuições de agente público, estaria a de  supervisionar o Departamento de Polícia local. Logo, um anúncio criticando uma  ação desse departamento, estaria, segundo sua visão, exercendo uma crítica contra  sua pessoa no exercício de sua atividade pública.  O magistrado responsável pelo julgamento rejeitou as alegações das partes  demandadas de que sua decisão estaria restringindo as liberdades de expressão e  de imprensa, protegidas pela Primeira e pela Décima Quarta Emenda. A Suprema  Corte estadual do Alabama, confirmou a decisão inicial afirmando que a malícia  poderia ser inferida da irresponsabilidade do Times em publicar um artigo ao passo  que em seus próprios arquivos haveria notícias de que os fatos narrados  continham imprecisões 46. A Corte estadual ainda afirmou que a Primeira Emenda da  Constituição norte-americana não protege publicações difamatórias.

[2] A Suprema Corte dos Estados Unidos (SCOTUS) examinou essa grande questão das democracias liberais no caso Brandenburg vs. Ohio, de 1969, quando estabeleceu o critério de “imminent lawless action” (conduta ilegal iminente) para definição dos limites da liberdade de expressão (freedom of speech). Nos anos 1960 quando surge o caso Brandenburg, que deve ser explicado devido à sua importância na jurisprudência sobre crimes de ódio. O caso envolve um membro da seita de extrema direita Ku Klux Klan que convenceu um repórter televiso a filmar uma reunião da Klan na qual uma das falas aventou a possibilidade de que o discurso de Clarence Brandenburg incentivava revanches contra negros e judeus. Com base nessa fala, Clarence Brandenburg foi condenado por violar a Lei Criminal Sindical do Estado de Ohio, por supostamente advogar mudanças políticas e econômicas radicais por meios criminosos ou violentos. O estatuto legal, de 1919, foi promulgado à época do chamado “first red scare” – mobilizações de esquerda nos EUA do começo do século XX – em um contexto de repressão das opiniões divergentes às do governo. A Suprema Corte foi acionada e reverteu a condenação, afirmando o seguinte: “(…) a garantia constitucional de liberdade de expressão e da imprensa livre não permite ao Estado proibir ou proscrever a advocacia do uso da força ou da violação da lei com exceção das situações nas quais essa advocacia está dirigida a incitar ou produzir uma ação ilegal iminente ou gera a probabilidade de um incitamento que produza tal ação”.

"O Klan é uma organização terrorista que existe até hoje, e sua atuação é acompanhada por entidades como o Southern Poverty Law Center (SPLC), responsável pelo estudo de organizações extremistas nos Estados Unidos. Segundo essa entidade, existem atualmente 72 células do Klan nos Estados Unidos, que agrupam, aproximadamente, de 5 mil a 8 mil membros"

[3] Diversos filósofos estudaram e publicaram suas obras sobre a liberdade como Marx, Sartre, Descartes, Kant e outros. Para Descartes a liberdade é motivada pela decisão do próprio indivíduo, mas muitas vezes essa vontade depende de outros fatores, como dinheiro ou bens materiais.

[4] O filósofo e escritor francês Voltaire (1694-1778) foi um defensor da liberdade de expressão e da tolerância, e suas ideias influenciaram o pensamento iluminista e as revoluções políticas e sociais do final do século XVIII.  Voltaire acreditava que a liberdade de expressão só se realiza quando também se defende a liberdade do outro. Ele considerava que a liberdade de expressão era um direito fundamental que permitia a manifestação de ideias e pensamentos sem interferência do Estado.

[5] John Locke, filósofo do século XVII, também abordou a liberdade de expressão em sua obra "Segundo Tratado sobre o Governo Civil." Locke ensina que a liberdade de expressão é um direito inalienável e intrínseco do ser humano e um pilar central na construção de uma sociedade justa. O fim da lei não é abolir ou restringir, mas preservar e ampliar a liberdade, pois, em todas as condições de seres criados capazes de lei, onde não há lei, não há liberdade. A liberdade consiste em estar livre de restrição e de violência por parte de outros, o que não se pode dar se não há lei. Segundo John Locke, ''onde não há lei, não há liberdade''. Nessa conjectura, o autor exprime a relevância de um contrato social para garantia de direitos naturais na transição entre o estado de natureza e a sociedade cívica, na qual o Estado é o mediador político.

[6] Portanto, para Stuart Mill, a liberdade deve ser garantida, para que todos possam expressar o que defendem. Desse modo, deve-se levar em conta que ninguém possui o poder da infalibilidade, ou melhor, todos têm a possibilidade de errar nas suas opiniões e posições, por isso é evidente a importância do debate de ideias. Mill defendia a liberdade do cidadão buscar o seu próprio bem. Para ele, o desenvolvimento da sociedade parte do desenvolvimento do indivíduo e quanto maior a liberdade do indivíduo, maior o bem-estar geral da população.

[7] O desenvolvimento dos meios de comunicação; a revolução tecnológica, colocando à disposição da sociedade meios interativos de expressão pública; a globalização, modificando proximidades e distâncias, e a importância crescente das audiências e dos públicos, são ingredientes que acirram essa discussão em torno da existência e das formas de controle da expressão na sociedade. Assim, apesar o tema ter uma origem tão remota, apesar de ter propiciado debates acalorados em diferentes regiões e épocas, liberdade de expressão e censura estão na ordem do dia.

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