Limites da Liberdade de Expressão.
Resumo: A liberdade de
expressão tem sua razão de ser para as manifestações de opiniões, sejam
contrárias, jocosas, irônicas, satíricas e, até mesmo errôneas, mas não para
divulgação de opiniões criminosas, discurso de ódio ou excitação a produção de
atentados contra o Estado Democrático de Direito e a democracia.
Palavras-chave: Direitos
Fundamentais. Constituição Federal brasileira de 1988. Liberdade de Expressão.
Limites.
A liberdade de expressão não
alcança a prática de ilícitos, ao discurso que incite a violência, o discurso
doloso, manifestamente difamatório, juízo depreciativo, de injúria ou crítica
aviltante. Tais manifestações são capazes de causar um perigo evidente e
iminente ao sistema jurídico, ao regime democrático ou ao bem público.
Analisando a imunidade
parlamentar deverá ser entendida como forma extensiva para a garantia do
adequado desempenho de mandatos. E, assim, não alcança os atos que sejam
praticados sem nítida conexão ou implicação recíproca com o desempenho das
funções parlamentares, para incitar o cometimento de delitos ou ainda para
atacar a própria democracia, ou o sistema representativo, quando a imunidade
for usada para a prática de abusos, usos
criminosos, fraudulentos ou ardilosos.
A respeito da liberdade de
expressão há várias obras clássicas como a intitulada On Liberty de John
Stuart Mill, publicado em 1859. Onde o autor apresentou-se como defensor da
liberdade, que é tida como instrumento indispensável ao desenvolvimento da
pessoa e da sociedade, especialmente, por possibilitar a avaliação e
contestação pública de todas as convenções sociais vigentes, dos dogmas religiosos
e da concepção ética estabelecida em determinada época.
O autor asseverou de forma
enfática que "se toda humanidade menos uma pessoa compartilhasse uma mesma
opinião, a humanidade não teria melhor justificativa para silenciar essa pessoa
do que ela possuiria, caso pudesse, silenciar a humanidade inteira"(...).
Como questão de convicção
ética, o direito de cada pessoa à maior liberdade possível para o debate de
qualquer tipo de doutrina, por mais imoral ou perigosa que possa parecer ao
bem-estar de determinada sociedade. Vai além da questão relativa à autonomia da
pessoa, Mill elencou argumentos instrumentais ou utilitários que exercem forte
influência na defesa da mais ampla liberdade de expressão.
Segundo o filósofo inglês, a
livre veiculação de ideais seria essencial para que as pessoas e a sociedade
pudessem se aproximar da verdade, enquanto o silenciamento constituiria uma
prática perniciosa para a humanidade (...). Assim a supressão do discurso faria
que opiniões verdadeiras fossem negligenciadas, causando prejuízos ao
desenvolvimento civilizatório (...).
Mesmo diante de opiniões e
pensamentos equivocados, a proibição da veiculação de ideias impediria a
obtenção do benefício de reafirmação das ideais corretas que decorre da colisão
entre elas (...).
No âmbito da teoria proposta
pelo filósofo inglês, somente seria possível a realização de restrições à livre
manifestação de ideias e pensamentos quando houver a incitação à prática de uma
ação capaz de promover dano injustificado a terceiros.
E, a partir do exemplo
apresentado pelo próprio Mill do manifestante que incita uma multidão faminta
reunida em frente à casa de um produtor de grãos à prática de atos violentos,
Owen Fiss destacou a necessidade, presente no pensamento do filósofo inglês,
que o discurso]a ser reprimido seja nitidamente caluniosos e ilegal, devendo
ainda possuir uma relação direta e imediata com o dano causado a terceiros.
(...).
É importante registrar que a
teoria liberal e utilitarista da liberdade de expressão foi incorporada à
jurisprudência constitucional dos Estados Unidos através da metáfora do livre
mercado de ideais (free market place of ideas), que foi mencionada pela
primeira vez no voto dissidente do Justice Oliver Wendell Holmes, da Suprema
Corte dos Estados Unidos (Scotus) no caso Abrams v. United States, julgado em
1919 [...]
E, ainda a versão
norte-americana prevê que o melhor teste para a verdade é o poder de aceitação
através da competição do mercado (...) A ideia central é que, em uma sociedade
democrática, a verdade e a razão só podem ser obtidas se a todos for atribuído
o direito de demonstrar e debater, racionalmente, o seu ponto de vista sem qualquer interferência estatal [...].
Registre-se que a noção de
livre mercado de ideias tem sido utilizada para proteger principalmente
discursos e opiniões que possuem conteúdo político, tal como se observa do
precedente firmado no caso New York Times versus Sullivan, julgado em
1964 [...][1].
A lógica desse e de outros
precedentes é que o núcleo essencial da Primeira Emenda à Constituição
norte-americana que garante a liberdade de expressão, busca proteger discursos,
matérias e opiniões críticas ao governo, de modo a possibilitar o livre
convencimento individual e coletivo sobre os assuntos relativos ao Estado.
(...)
Embora não se ignore a importância e a
relevância da teoria do livre mercado de ideias para tratar de inúmeras
questões relativas à liberdade de expressão, em especial no que se refere à
livre veiculação de ideias políticas, é possível apresentar algumas críticas ou
lacunas dessa corrente de pensamento.
Nessa toada, a interpretação predominante na
jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, que exerce forte influência
no Brasil, por vezes não oferece ferramentas adequadas para regular discursos
de ódio ou antidemocráticos, tal como se observa dos precedentes estabelecidos
no caso Brandenburg vs. Ohio[2]
[...], nos quais se declarou a constitucionalidade de manifestações de ódio
contra negros e judeus e a inconstitucionalidade
de lei que restringia o uso de símbolos que
remetessem a práticas de discriminação racial.
No caso Brandenburg versus
Ohio, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a lei do Ohio violava o
direito de Clarence Brandenburg à liberdade de expressão. A decisão foi tomada
em 1969 e é considerada um marco na interpretação da Primeira Emenda da
Constituição dos EUA.
A Suprema Corte dos Estados
Unidos (Scotus) examinou essa grande questão das democracias liberais no caso Brandenburg
vs. Ohio, de 1969, quando estabeleceu o critério de “imminent
lawless action” (conduta ilegal iminente) para definição dos limites
da liberdade de expressão (freedom of speech). Esta não será protegida
pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana se o autor do discurso
pretende incitar uma conduta ilegal iminente e factível.
Alvim Goldman e Daniel Baker
afirmam que a liberdade de expressão envolve trocas e balanceamentos entre o
valor deste direito e os prejuízos que o discurso pode causar, de modo que
nenhum país pode resolver essas trocas apenas a partir da proteção integral da
liberdade (...).
De modo semelhante, ao
problematizar a teoria do livre mercado de ideias, Cass Sunstein asseverou que
"qualquer mercado exige critérios e regras claras. Nenhum mercado pode
operar inteiramente livre".
Portanto, mesmo diante dessa
ampla liberdade de manifestação do pensamento e da opinião, é possível
estabelecer algumas hipóteses de regulação e limitação à liberdade de
expressão.
Com efeito, a jurisprudência
constitucional norte-americana tem entendido que esse direito fundamental não
abrange, por exemplo, os atos de pedofilia, a pornografia ou discursos que
incitem a violência (fighting words). Também não se encontra abrangida por esse
direito fundamental textos, opiniões ou palavras de difamações dolosas
(denominada de actual malice pela jurisprudência norte-americana [...].
A jurisprudência da Suprema Corte dos Estados
Unidos também tem entendido pela possibilidade de restrições à liberdade de
expressão nos casos em que o discurso apresentar o potencial de caracterizar um
perigo claro e iminente (clear and present danger) ao bem público.
De acordo com Martin Shapiro,
o perigo claro e iminente da jurisprudência norte-americana demanda a
existência de uma ameaça que interfira de forma imediata e significativa sobre
o sistema jurídico e o regime democrático [...].
Nesse vetor, os discursos de
incitação à sabotagem ou à violência que preencham os requisitos de perigo
evidente e iminentesão proibidos e podem ser legalmente restringidos, inclusive
através da aplicação da lei penal, sendo importante destacar que as
circunstâncias e o objetivo do discurso são relevantes para a análise de
adequação da resposta estatal (...)
Em síntese, embora se defenda,
no âmbito da filosofia política[3] e da teoria constitucional
anglo-americana, um amplo espaço de proteção à liberdade de expressão, que é
considerada por muitos como um direito preferencial, é possível vislumbrar
restrições à livre manifestações de ideais, inclusive mediante aplicação da lei
penal, no seguintes casos: a) em atos,
discursos ou ações que envolvam a pedofilia; b) nos casos de discursos que
incitem a violência (fighting words); c) quando se tratar de discurso
com intuito manifestamente difamatório, de forma dolosa (actual malice);
d) em manifestações capazes de causar um perigo claro e iminente ao sistema
jurídico, ao regime democrático ou ao bem público (clear and presente danger).
De acordo com Martin Shapiro,
o perigo claro e iminente da jurisprudência norte-americana demanda a
existência de uma ameaça que interfira de forma imediata e significativa sobre
o sistema jurídico e o regime democrático [...].
Nessa perspectiva, discursos
de incitação à sabotagem ou à violência que preencham os requisitos de perigo
claro e iminente são proibidos e podem ser legalmente restringidos, inclusive
através da aplicação da lei penal, sendo importante destacar que as circunstâncias
e o objetivo do discurso são relevantes para a análise de adequação da resposta
estatal [...].
[...]
Em suma, embora se defenda, no âmbito da
filosofia política[4]
e da teoria constitucional anglo-americana, um amplo espaço de proteção à
liberdade de expressão, que é considerada por muitos como um direito
preferencial, é possível vislumbrar restrições à livre manifestações de ideias,
inclusive mediante aplicação da lei penal, nos seguintes casos: a) em atos,
discursos ou ações que envolvam a pedofilia; b) nos casos de discursos que
incitem a violência (fighting words); c) quando se tratar de
discurso com intuito manifestamente difamatório, de forma dolosa (actual malice);
d) em manifestações capazes de causar um perigo claro e iminente ao sistema
jurídico, ao regime democrático ou ao bem público (clear and presente danger).
Frise-se que a autodefesa da
democracia se sobrepõe ao direito à liberdade de expressão. Assim, quando o
agente ataca, como no caso, a própria existência desta Suprema Corte, enquanto
instituição, não há dúvidas de que ele se expõe, como efeito imediato dos
mecanismos de autodefesa da democracia, à censura penal do Estado.
Não está em jogo, aqui, a
simples proteção dos Juízes do Supremo Tribunal Federal, enquanto integrantes
transitórios da Corte, mas, sim, a defesa do próprio Estado Democrático de
Direito, cuja existência é posta em risco quando se busca, mediante o uso da
palavra, minar a independência do Poder Judiciário e, mais do que isso, a
própria existência de instituição constitucionalmente concebida como o último
refúgio de tutela das liberdades públicas.
[...]
Afigura-se legítima e necessária, portanto, a
tutela do Estado de Direito mediante o emprego do Direito Penal contra atos
comunicativos, enquanto legítima expressão daquilo que se convencionou chamar,
no direito alienígena, de “democracia combativa”, ou seja, uma democracia
dotada de instrumentos de autodefesa contra aqueles “que se valem dos
mecanismos constitucionais e
democráticos para destruir, de dentro, a Constituição e a democracia” [...].
[...] o material documentado
nos autos revela comportamento destoante daquele que se espera de uma
autoridade pública que, por um lado, ascende ao cargo eletivo pelas vias
democráticas e, noutro vértice, passa a utilizar a representação popular como
instrumento de fragilização e pretensa aniquilação das instituições
constituídas.
Ao publicar, na condição de
representante eleito, conteúdo propagando regozijo com situação hipotética de
ataque até mesmo físico contra integrantes de um Poder constituído da República
e de destituição de seus membros por vias que não as legitimamente instituídas,
o parlamentar incorre em prática, consciente
e voluntária, de ato atentatório ao próprio regime democrático no qual está inserido.
O Ministro Alexandre de Moraes
ocasião do julgamento da ADPF 572, no qual analisada a constitucionalidade do ato
inaugural do Inquérito 4.781, “o
resguardo da existência dos Poderes constituídos é vetor nuclear da República
Federativa do Brasil, que, na falta de
qualquer deles, terá tolhida sua condição jurídica elementar, encartada já no
artigo inaugural de nossa Carta fundante, a saber, a de se constituir em Estado
Democrático de Direito.”.
Ali, referindo-me à
desinformação digital e à potencialidade de sua utilização como instrumento de
desestabilização demo crática do país, pontuei, com muito desalento, que “agora
nos vemos às voltas com ataques
sistemáticos, que em absoluto se
circunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito de livre expressão
e manifestação assegurados constitucionalmente, traduzindo, antes, ameaças
destrutivas às instituições e seus membros, com a intenção de desmoralizá-las,
assim influenciando na própria
conformação dos valores mais caros a uma
sociedade democrática.”.
O fenômeno social identificado revela
aspiração, tão pretensiosa quanto nefasta, de fragilizar a missão de intérprete
e guardião da Constituição conferida a
este Supremo Tribunal Federal pelo texto
constitucional e – qual praga de hábitos subterrâneos a atacar raízes e estruturas fundantes da
vegetação de nosso relevo institucional
– de corroer os alicerces da própria democracia.
A liberdade de expressão, porém, não é
absoluta. Aliás, a concepção de liberdade discursiva irrestrita – tal como
defendida pela Defesa – nunca mereceu qualquer consideração mesmo entre expoentes do pensamento liberal, a
exemplo de Locke[5]
e Rawls, e reconhecê-la implicaria a
própria negação de qual quer possibilidade de convivência em sociedade,
degenerando-se o atual estágio
civilizatório em um campo de total arbítrio.
Segundo John Rawls, a
liberdade de expressão é uma das liberdades básicas que compõem o primeiro
princípio de justiça. Para ele, as liberdades de consciência e pensamento são
as mais importantes e irrenunciáveis. Rawls
acreditava que a liberdade é a capacidade de agir de acordo com a lei que cada
pessoa estabelece para si mesma. Ele acreditava que o sistema jurídico, por
meio de constituições e leis, deveria garantir o uso livre dessas liberdades.
Assim, convém deixar claro,
desde logo, o seguinte ponto: não há liberdade de expressão quando o seu
exercício puder resultar no próprio extermínio da liberdade de expressão. Propícia
é a advertência de Munhoz Netto: “O Estado não pode tolerar, sem negar-se a si próprio, a
atividade dos que, valendo-se das
liberdades que ele assegura, queiram terminar com a própria liberdade” [...].
[...]Na realidade, a questão que se mostra
contenciosa, no plano doutrinário,
consiste na indagação sobre qual o limite à criminalização de discursos. Sendo
inquestionável a existência de limites à
liberdade de expressão, o problema reside, portanto, na pesquisa do limite dos limites.
Esse problema (do limite dos
limites) – identificado na literatura jurídica alemã e normalmente equacionado
com recurso ao princípio da proporcionalidade – não se põe, uma vez que as
investidas criminosas e antidemocráticas
do acusado sequer se ajustam ao âmbito de proteção da garantia fundamental em apreço.
É que a participação no debate
público, in casu, foi utilizado pelo réu apenas como subterfúgio para a promoção de virulentos
ataques não apenas aos juízes desta
Corte, mas, sobretudo, aos pilares da democracia,
expresso em sua tentativa de corroer os alicerces do Estado de Direito, a partir da apologia de
ações voltadas a inviabilizar a própria
existência deste Tribunal.
É certo que em tais casos, não
basta, à higidez da repressão penal a atos comunicativos, que (i) esteja ela
devidamente prevista em leis formalmente
válidas e (ii) atenda a fins constitucionalmente legítimos.
É essencial, ainda, que (iii)
a pretendida interferência do Estado no
livre tráfego de ideias traduza, ao ser aplicada ao caso concreto, uma resposta necessária à
preservação de uma sociedade democrática e plural. Se é assim, forçoso
assinalar que, quando o agente ataca, como no caso, a própria existência desta Suprema Corte, enquanto instituição, não
há dúvidas de que ele se expõe, como
efeito imediato dos mecanismos de autodefesa
da democracia, à censura penal do Estado. [...]
Em suma: no livre mercado de ideias – para
usarmos a concepção de John Stuart Mill[6] consagrada na
jurisprudência da Suprema Corte dos
Estados Unidos – alguns conteúdos simplesmente não podem ser negociados. é
possível concluir que:
I – a proteção à liberdade de expressão, que é
considerada por muitos como um direito
preferencial, deve ser protegida de
forma ampla no direito constitucional brasileiro, mas não alcança a prática de ilícitos nas seguintes
hipóteses:
I.1 – nos casos de discursos
que incitem a violência (Fighting words);
I.2 – quando se tratar de
discurso doloso (actual malice) com intuito
manifestamente difamatório, de juízos depreciativos de mero valor, de injúria em razão da forma ou de
crítica aviltante;
I.3 – em manifestações capazes de causar um
perigo claro e iminente (clear and presente danger) ao sistema jurídico,
ao regime democrático ou ao bem público,
ou seja, de manifestações claramente antidemocráticas e contrárias à ordem
constitucional estabelecida. II – a
imunidade parlamentar, que deve ser compreendida de forma extensiva para a garantia do adequado
desempenho de mandatos atribuídos aos representantes eleitos do povo, não
alcança os atos que sejam praticados: II.1 – sem claro nexo de vinculação ou
implicação recíproca com o desempenho
das funções parlamentares (teoria funcional); II.2 – nos casos em que for
utilizada para a prática de abusos, usos
criminosos, fraudulentos ou ardilosos, para incitar a prática de delitos ou para atacar a própria democracia
ou o sistema representativo para o qual
foi idealizada.
A previsão constitucional do
Estado Democrático de Direito consagra a obrigatoriedade de o País ser regido
por normas democráticas, com observância
da Separação de Poderes, bem como
vincula a todos, especialmente as autoridades públicas, ao absoluto respeito aos direitos e garantias
fundamentais, com a finalidade de
afastamento de qualquer tendência ao autoritarismo e concentração de poder.
A Constituição Federal vigente
não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao
Estado Democrático (CF/1988, arts. 5º,
XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes
sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas
constitucionais Separação de Poderes (CF/1988,
art. 60, § 4º), com a consequente, instalação
do arbítrio[7].
A liberdade de expressão e o
pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático. A livre
discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão
interligados com a liberdade de expressão tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e
ideias, mas também opiniões, crenças,
realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real
participação dos cidadãos na vida
coletiva.
Dessa maneira, tanto são inconstitucionais as
condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico,
indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo,
juntamente com suas instituições republicanas; pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de
Poderes e aos direitos fundamentais, em
suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios
republicanos [...]
A jurisprudência do STF,
portanto, é pacífica no sentido de que a
garantia constitucional da imunidade parlamentar material somente incide no caso de as
manifestações guardarem conexão com o
desempenho da função legislativa ou que sejam proferidas em razão desta, não sendo possível
utilizá-la como verdadeiro escudo
protetivo da prática de atividades ilícitas [...].
A liberdade de expressão deve
ser respeitada dentro dos limites da lei e de princípios como: Respeito à
dignidade humana; Não incitação à violência; Não difamação; Respeito à
privacidade, à honra e à imagem das pessoas.
A liberdade de expressão não
pode ser usada para: Caluniar; Injuriar; Difamar; Fazer apologia ao crime; Ameaçar;
Incitar prática de discriminação.
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[1]
O caso New York Times Co. vs.
Sullivan chegou à Suprema Corte americana,
por via do writ of Certiorari para a Suprema Corte do estado do Alabama.
A questão foi decidida em março do ano
de 1964. A parte passiva desse recurso,
L. B. Sullivan, que saiu vitoriosa na origem, foi quem deu início à ação de indenização por
ofensa à honra contra o veículo de
comunicação impressa New York Times Co., bem como, contra outros 04
(quatro) indivíduos . O autor, à época
da ação, era agente público eleito na cidade de
Montgomery, no estado do Alabama, responsável pela supervisão, dentre
outros, do Departamento de Polícia
daquela localidade. Segundo informou, sua honra restou ofendida com a publicação realizada pelo
veículo de comunicação New York Times em
março de 1960. Foram apontados alguns
erros factuais na publicação que fazia referência à suposta ação da polícia contra estudantes que
participavam de um movimento a favor dos
direitos civis, bem como, contra um dos líderes desse movimento. O texto divulgado pelo New York Times é assinado
por um Comité de defesa dos direitos
civis chamado Committee to Defend Martin Luther King and the
Struggle for Freedom in the South. Ou
seja, não se tratava de um texto elaborado pelo
editorial do jornal, mas por uma organização da sociedade civil. Note-se que, mesmo a publicação não fazendo
nenhuma referência nominal a Sullivan,
apenas à ação policial, este entendeu que a publicação se referia a ele tendo em vista que, dentre suas atribuições
de agente público, estaria a de
supervisionar o Departamento de Polícia local. Logo, um anúncio
criticando uma ação desse departamento,
estaria, segundo sua visão, exercendo uma crítica contra sua pessoa no exercício de sua atividade
pública. O magistrado responsável pelo
julgamento rejeitou as alegações das partes
demandadas de que sua decisão estaria restringindo as liberdades de
expressão e de imprensa, protegidas pela
Primeira e pela Décima Quarta Emenda. A Suprema
Corte estadual do Alabama, confirmou a decisão inicial afirmando que a
malícia poderia ser inferida da
irresponsabilidade do Times em publicar um artigo ao passo que em seus próprios arquivos haveria
notícias de que os fatos narrados
continham imprecisões 46. A Corte estadual ainda afirmou que a Primeira
Emenda da Constituição norte-americana
não protege publicações difamatórias.
[2]
A Suprema Corte dos Estados
Unidos (SCOTUS) examinou essa grande questão das democracias liberais no caso
Brandenburg vs. Ohio, de 1969, quando estabeleceu o critério de “imminent
lawless action” (conduta ilegal iminente) para definição dos limites da
liberdade de expressão (freedom of speech). Nos anos 1960 quando surge o
caso Brandenburg, que deve ser explicado devido à sua importância na
jurisprudência sobre crimes de ódio. O caso envolve um membro da seita de
extrema direita Ku Klux Klan que convenceu um repórter televiso a filmar
uma reunião da Klan na qual uma das falas aventou a possibilidade de que o
discurso de Clarence Brandenburg incentivava revanches contra negros e judeus.
Com base nessa fala, Clarence Brandenburg foi condenado por violar a Lei
Criminal Sindical do Estado de Ohio, por supostamente advogar mudanças
políticas e econômicas radicais por meios criminosos ou violentos. O estatuto
legal, de 1919, foi promulgado à época do chamado “first red scare” –
mobilizações de esquerda nos EUA do começo do século XX – em um contexto de
repressão das opiniões divergentes às do governo. A Suprema Corte foi acionada
e reverteu a condenação, afirmando o seguinte: “(…) a garantia constitucional
de liberdade de expressão e da imprensa livre não permite ao Estado proibir ou
proscrever a advocacia do uso da força ou da violação da lei com exceção das
situações nas quais essa advocacia está dirigida a incitar ou produzir uma ação
ilegal iminente ou gera a probabilidade de um incitamento que produza tal ação”.
"O Klan é uma organização terrorista que existe até
hoje, e sua atuação é acompanhada por entidades como o Southern Poverty Law
Center (SPLC), responsável pelo estudo de organizações extremistas nos Estados
Unidos. Segundo essa entidade, existem atualmente 72 células do Klan nos
Estados Unidos, que agrupam, aproximadamente, de 5 mil a 8 mil membros"
[3]
Diversos filósofos estudaram e
publicaram suas obras sobre a liberdade como Marx, Sartre, Descartes, Kant e
outros. Para Descartes a liberdade é motivada pela decisão do próprio
indivíduo, mas muitas vezes essa vontade depende de outros fatores, como
dinheiro ou bens materiais.
[4] O filósofo e escritor francês
Voltaire (1694-1778) foi um defensor da liberdade de expressão e da tolerância,
e suas ideias influenciaram o pensamento iluminista e as revoluções políticas e
sociais do final do século XVIII. Voltaire
acreditava que a liberdade de expressão só se realiza quando também se defende
a liberdade do outro. Ele considerava que a liberdade de expressão era um
direito fundamental que permitia a manifestação de ideias e pensamentos sem
interferência do Estado.
[5] John Locke, filósofo do século XVII,
também abordou a liberdade de expressão em sua obra "Segundo Tratado sobre
o Governo Civil." Locke ensina que a liberdade de expressão é um direito
inalienável e intrínseco do ser humano e um pilar central na construção de uma
sociedade justa. O fim da lei não é abolir ou restringir, mas preservar e
ampliar a liberdade, pois, em todas as condições de seres criados capazes de
lei, onde não há lei, não há liberdade. A liberdade consiste em estar livre de
restrição e de violência por parte de outros, o que não se pode dar se não há
lei. Segundo John Locke, ''onde não há lei, não há liberdade''. Nessa
conjectura, o autor exprime a relevância de um contrato social para garantia de
direitos naturais na transição entre o estado de natureza e a sociedade cívica,
na qual o Estado é o mediador político.
[6] Portanto, para Stuart Mill, a
liberdade deve ser garantida, para que todos possam expressar o que defendem.
Desse modo, deve-se levar em conta que ninguém possui o poder da
infalibilidade, ou melhor, todos têm a possibilidade de errar nas suas opiniões
e posições, por isso é evidente a importância do debate de ideias. Mill
defendia a liberdade do cidadão buscar o seu próprio bem. Para ele, o
desenvolvimento da sociedade parte do desenvolvimento do indivíduo e quanto
maior a liberdade do indivíduo, maior o bem-estar geral da população.
[7] O desenvolvimento dos meios de
comunicação; a revolução tecnológica, colocando à disposição da sociedade meios
interativos de expressão pública; a globalização, modificando proximidades e
distâncias, e a importância crescente das audiências e dos públicos, são
ingredientes que acirram essa discussão em torno da existência e das formas de
controle da expressão na sociedade. Assim, apesar o tema ter uma origem tão
remota, apesar de ter propiciado debates acalorados em diferentes regiões e
épocas, liberdade de expressão e censura estão na ordem do dia.
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